domingo, 29 de março de 2009

Como desestimular os bons alunos

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domingo, 29 de março de 2009

Os bons alunos são muito chatos. Eles são arrogantes, pretensiosos,
vem nos incomodar nas nossas salas, fazem perguntas que não sabemos
responder, são exigentes e, em última análise, ameaçam nossas posições
acadêmicas e nossas convicções democráticas e igualitárias. Depois de
muitos anos de experiências acumuladas por mim e por meus colegas,
resolvi elaborar este decálogo, que espero contribua para eliminar tão
perniciosa casta de nossa Universidade. (exibido na página inicial)

1. Mostre-se sempre infeliz. Esteja triste e desanimado. Diga, nas
suas aulas, que a carreira acadêmica não vale a pena, e que as
perspectivas de emprego sao remotas. Insista em que a Universidade
está sucateada ou que esta dominada por caciques impenetráveis,
segundo sua preferência. Insinue sempre que eles escolheram de maneira
errada sua profissão e que aquele seu colega de escola que era bem
burrinho e vagabundo ganha muito mais que você. Fomente a idéia de
que, no mercado de trabalho, o que mais importa é saber inglês e se
dar bem na entrevista. Jamais deixe escapar que o conhecimento e a
pesquisa fornecem momentos de autêntica alegria.

2. Comece suas aulas as 8 horas e termine as 10 horas, sem intervalo,
e queixe-se de que não dá tempo de dar tudo o que voce sabe. Não dê
tempo aos bons alunos para refletir ou questionar. Lembre sempre que o
objetivo de sua aula é mostrar que voce sabe muito mais que eles. Não
vacile: humilhe os bons, para que aprendam.

3. Suas provas devem ser metade muito fáceis e metade muito
difíceis. O objetivo é que, na medida do possível, todos os alunos
tirem nota 5, o que contentará os medíocres e diminuirá a vaidade dos
bons. Se algum aluno bom, motivado pelo desafio, faz as questões
difíceis e não tem tempo para as fáceis, seja inflexível: dê nota 5
para ele.

4. Suas provas devem ser longas, porque a velocidade é
democrática. Aplique provas longas que possam ser resolvidas decorando
13 fórmulas adequadas às palavras chave das perguntas. Alunos bons
podem pretender deduzir as fórmulas, mas não terão tempo. Zero neles.

5. Aplique provas onde a segunda questão dependa da conta feita na
primeira, a terceira da conta da segunda, e assim por diante. Ficam
muito elegantes, e mostram sua imaginação e compreensão global do
tema. A vantagem é que um aluno bom pode errar na primeira conta e
tirar zero em conseqüência, o que aumentará muito sua reputação de
professor rigoroso.

6. Jamais devolva as provas corrigidas para seus alunos. Os alunos
bons podem pretender estudar erros e aprender com eles no dia
seguinte. Quem sabe até encontram um erro seu. A justificativa para
esta atitude é simples: um estudante da Universidade de Utrecht, em
1734, reclamou da nota que tinha tirado na prova de Anatomia 23 anos
antes e, como o professor não guardava a cópia, a Universidade foi
obrigada a trocar sua nota, de 5 para 6. Não há registros do nome
desse estudante, mas todos sabem que foi assim mesmo.

7. Como voce não devolve as provas, será fácil abaixar alguns pontos
na nota dos alunos bons, por motivos fúteis. Faça com que o processo
de revisão seja o mais constrangedor possível, para que o aluno se
envergonhe de pretender saber por que tirou 9 e não 10, e aceite o
desconto nivelador. Marque uma reunião na sua sala para todas as
revisões, chegue atrasado, e garanta uma boa fila: o aluno se sentirá
mal de se queixar do 9 quando seus colegas estão se queixando do 3.

8. Os trabalhos em grupo sao uma boa oportunidade de infernizar a vida
dos alunos bons. Nunca coloque os alunos bons no mesmo grupo: eles
podem se potencializar e ficar melhores ainda. Coloque o aluno bom com
colegas bem fraquinhos e chatinhos, de maneira que ele tenha que fazer
tudo e sofra.

9. Os painéis nos congressos de iniciação cientifica também sao uma
excelente oportunidade de desestimular alunos bons. Passeie entre os
painéis admirando aqueles posters que incluem texturas coloridas,
relevos, e os mais avançados meios de apresentação computacional e
posterológica. Despreze posters apressados e manuscritos. Não deixe
de enfatizar que, nesta etapa da vida, é mais importante a forma que o
conteúdo.

10. Nas reuniões de departamento, defenda sempre as propostas mais
burocráticas e formais. Pré-requisitos, horários rígidos, barreiras
para trancamento e mudança de turma. Proponha, sempre, incluir mais
disciplinas no seu curso. É necessário ter os alunos bons bastante
ocupados com bobagens formais, para que não perguntem.


J. M. Martínez
Abril 2003

http://www.ime.unicamp.br/~martinez/como.txt


(exibido apenas nas páginas individuais)

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